Minha intenção era só pegar um sol e bronzear os bigodes, mas, como sempre acontece nessa droga de trabalho, a dura realidade acabou me pegando... Um caso acabou entrando nas minhas malas. O "escândalo dos biscoitos". E olha que ironia: era na ilha de Moon, o local das minhas férias, que se encontrava a primeira suspeita...

Lary havia me passado o endereço de uma senhora, proprietária de um canil ao norte da ilha. Uma tal de Bethy Amarga, conhecida em todo o vilarejo por seu amor incondicional aos totós, mas também por ser a matriarca de um grupo de 26 Kilorfs de todas as idades.
O latido dos Awaws, audível a centenas de kametros, era de arrepiar os pelos. A construção, toda torta, dava a impressão de que cairia a qualquer momento. A entrada estava cheia de detritos. Logo após bater três vezes na porta de madeira bamba, uma senhora um tanto suspeita apareceu em uma pequena janela. Seu olhar dizia muito sobre ela. Do tipo que não acredita mais na raça dozeana e pensa que apenas seus animais são dignos de confiança...
"Saul Greyjak do Departamento de Polícia de Ecaflip City. Posso fazer algumas perguntas?
— Se for sobre o escândalo dos biscoitos, eu não tenho mais nada a dizer!
— Não é o que o Lary acha."
Um tilintar seguido de uma sucessão de sons de cadeados sendo abertos me fizeram perceber duas coisas: Bethy não estava calma e o nome de Lary ainda causava algo nas mulheres, não importa a idade delas.
A porta entreaberta, o cheiro veio com tudo. Uma mistura de urina com fedor de animais invadiu as minhas narinas com a violência de um direto no queixo. Dentro da casa reinava uma bagunça sem tamanho.
"Pode entrar, eu já ia mesmo fazer um chazinho." A voz era melosa e falsa.
Assim que passei pela porta, um Dógui de pelos acinzentados e desgrenhados veio encostar o focinho úmido no meu pé.
"Kiki, deixa o moço! Perdão, ele odeia Miaws..."
Bem na minha fuça. A velha era arisca. Fingi não ter ouvido nada.
Ela me convidou a sentar em um sofá todo surrado e coberto de brinquedos para Awaws mastigados, ainda pingando de baba.
"QUAAAAACK!"
O quaquá de borracha sobre o qual coloquei meu traseiro assustou e acordou um Awaw Malhado que dormia do outro lado do recinto.
"Volto já."
Enquanto a Kilorf ia até a cozinha, aproveitei para examinar atentamente o local. Diante de mim, uma prateleira inteira de obras sobre adestramento canino e objetos de porcelana, um mais brega do que o outro. No chão, cestos acolchoados espalhados por toda parte. Não posso dizer que estavam muito limpos. A maior parte estava vazia, apenas dois deles estavam ocupados por Awaws que me encaravam como estátuas de porcelana. Um deles segurava um osso com a boca. Afundei um pouco mais nas almofadas quando ouvi um barulho metálico. Ao me virar, vejo uma porta encostada na parte de trás do sofá. O que fiz cair no chão era a chave que estava na fechadura. Tentei olhar do outro lado, mas estava tudo tão congestionado que só consegui distinguir uma espécie de pacote. Nele, um logo azul representava uma criaturinha que, estranhamente, me lembrava uma divindade. Bethy estava de volta.
"Então, foi o Lary que mandou você aqui? Perdão, é que fico desconfiada por causa de tudo o que tem acontecido. Entende?
— Claro, é normal..."
Ela me entregou uma xícara com uma lasca na borda. Um pelo marrom, certamente do tal de Kiki, boiava na superfície. Pelo menos é o que eu esperava.
"O que está acontecendo é terrível, terrível! Nem um mísero biscoito! reclamou mostrando uma caixa de bolachas secas.
— Diga quando tudo isso começou, disse pegando uma bolacha, mais por educação do que por gula.
— Não sei quem fez isso, mas aposto que foi alguém que mia, não que late. Sem querer ofender..."
Gesticulei para que ela continuasse enquanto eu mordia a bolacha, para o azar das minhas gengivas.
"Certo dia, enquanto eu fazia compras no mercado, ouvi uma das minhas vizinhas discutindo feio com o fornecedor. Ela parecia apavorada e não parava de gritar que não tinha mais biscoitos, que passaríamos fome. Um nome não saía da boca dela: Manka. Aquele Ecaflip que ganha a vida fazendo coisas estranhas. Sabe quais? Aquelas tramoias, se é que você me entende..."
A velha estava falando de Sola Manka, um barão do tráfico de biscoitos. O Ecaflip estava à frente de um verdadeiro império. Dizem que ele tinha uma fábrica clandestina de biscoitos com sabores inéditos e impossíveis de encontrar nos canais oficiais de venda. Biscoitos que ele vendia a preço de ouro e que lhe permitiam ter um estilo de vida dos mais confortáveis.
"Resumindo, só pode ter sido ele.
— É claro! Se quer saber a minha opinião, e acredito que quer já que está aqui, foi o Manka que pegou todas as reservas de biscoitos do Mundo dos Doze para acabar de uma vez por todas com os Kilorfs!
— Meio radical, não acha?
Bethy não me escutava.
"Imagina isso, deixar famílias inteiras sem comida! Sem se preocupar com os pequenos e vulneráveis! Naquela noite, eu estava recebendo minhas 29 criancinhas para o fim de semana. Eles comem pelo menos 20 quilotoneladas de biscoitos em 3 dias.
— Quanta fome.
— Eles estão em plena fase de crescimento. Bom, a maioria. Enfim, não é essa a questão: os coitadinhos não têm nada para morder! Sem falar nos meus pobres Awaws que estão sendo obrigados a roer ossos velhos há várias semanas!"
Enquanto trocava de posição para evitar que as molas do sofá perfurassem o meu corpo, meu olhar foi atraído para algo que parecia uma pedra, perto dos meus pés sobre o tapete. Bebi o conteúdo da minha xícara de uma só vez.
"Hum... Cof, cof! Seu chá está uma delícia. Seria muito incômodo se eu pedisse um pouco mais?"
A velha concordou e voltou para a cozinha. Peguei a pedra rapidamente e a levei até o meu focinho.
"Biscoito do bom... Como imaginei...
— Droga, estou sem folha de Pekekoko! Vou buscar um pouco no jardim, volto logo! disse ela do outro recinto.
— Sem pressa, vovó. Não se preocupe, vou estar ocupado... " sussurrei.
Sozinho, coloquei minhas mãos no flanco do sofá e empurrei com todas as minhas forças. O Awaw Malhado voltou para o lugar dele e ficou me encarando, sem piscar. Dava para perceber o julgamento em seus olhos arregalados.
"Quietinho, grandão."
O móvel pesava um kilopod. Deveria ter sido mais assíduo na academia. Quando finalmente abri um espaço suficiente na frente da porta, peguei a chave e a coloquei na fechadura. Por mais que eu girasse num sentido ou no outro, a porta se recusava a abrir.
"Rhaaa, maldição! Abre logo de uma vez!"
Após muitos minutos de tentativas frustradas, o rangido da porta que dava no jardim anunciava o retorno da velha.
"Ufa, que calor lá fora! Aproveitei para pegar umas folhas de Kaliptus também. Faz muito bem... e você vai ver, é uma delí...
Quando a Kilorf apareceu na sala, um clique triunfante foi ouvido na fechadura.
"O que você...?"
Sem que eu precisasse acionar a maçaneta, a porta se abriu sozinha com o peso do que estava atrás dela. Uma avalanche de biscoitos caiu sobre mim, fazendo uma bagunça interminável. As bolinhas foram parar em todo lugar: na minha camisa, nos meus pelos, nos meus bolsos, e acertavam o meu rosto com a mesma violência de uma chuva de granizo.
Coberto da cabeça aos pés sob essa montanha de comida, fiz movimentos de braçadas para conseguir desobstruir o focinho e voltar a respirar. Diante de mim, Bethy parecia desconcertada. Cuspi um biscoito que havia caído diretamente na minha boca.
Ao meu redor, os Awaws se aglomeravam para saborear o banquete improvisado. Um deles mastigava um monte do pacote que tinha acabado de rasgar, um pacote com o logo azul que vi mais cedo. A inscrição meio cortada chamou a minha atenção. Puxei dele de uma vez.
"Feito de Osso..."? Mas... O que isso quer dizer...?"
Bethy Amarga parecia a culpada perfeita. Mas Saul foi prudente. Na profissão dele, nunca é bom se precipitar. Para ter certeza, o inspetor decidiu interrogar Sola Manka em pessoa, sabendo que ele não é do tipo que chama para tomar um chazinho...