A paixão pela ciência e a sede de descoberta podem fazer alguns pesquisadores ir longe. Muito longe. Longe demais...? Libet, pesquisadora e herborista Eniripsa penetrou recentemente nas profundezas da Floresta Maléfica. Ali, ela fez uma descoberta que mudou radicalmente a carreira, para não dizer a vida, dela...

Agachada perto de um campo de cogumelos, Libet colheu delicadamente uma amostra de uma espuma espessa e a colocou imediatamente em um frasco. Ela ia amarrá-lo em seu cinto, junto com uma dezena de outros frascos em volta de sua cintura, que estavam pesando na sua silhueta frágil. Ela ajustou os óculos fundo de garrafa no nariz e deu um leve suspiro.
Já tinha dado. O dia tinha sido longo e ela preferia deixar para penetrar na Floresta Maléfica outro dia. Atrás dela, sua fiel companheira, uma marmula d’água, estava ficando impaciente, soltando bolhas e batendo as barbatanas.
“Calma, calma... Já vou. Você tá muito impaciente, Dorinha! Você está vendo que a mamãe está trabalhando...”
Libet acariciou as escamas da sua montaria e começou a se preparar para montar, quando sentiu uma dor intensa na planta do seu pé direito. A jovem Eniripsa deu um sobressalto, tropeçou em um emaranhado de trepadeiras e caiu com tudo em cima dos seus óculos.
Ela tinha acabado de pisar em algo muito parecido com um ouriço de castanha.

“Skribidibidi bi skreuk! Skribidibidi bi skreuk!”
Sob a casca coberta de espinhos, uma minúscula criatura de olhos brilhantes segurando um galho afiado a fuzilou com os olhos. Libet apertou os olhos para ver melhor e se abaixou delicadamente, aproximando-se da criatura.
"Eu... Sinto muito. Espero não ter machucado você.”
A criatura deu um pulo e se jogou na palma da mão dela.
"Oh! Um Malterego... Nunca tinha visto um!”, disse a Eniripsa, entusiasmada.
O pequeno ser ergueu a sobrancelha e, de repente, se mostrou mais amigável dando até uma piscadinha para a jovem dozeana. Assim que Libet deu mostras de querer acariciá-lo, ele saiu correndo e se escondeu atrás de umas folhagens que davam acesso à floresta.
“Espere aqui, Dorinha. Não vou demorar.”
A marmula d’água soltou uma enorme bolha como forma de protesto, enquanto sua dona passava pelo limiar para entrar na floresta, atrás da criatura.
“Bom, talvez o dia ainda não tenha terminado...” disse a si mesma ao colocar o que tinha sobrado dos óculos dela no bolso.

Libet caminhava lentamente. Para dizer a verdade, ela não estava enxergando direito... A alguns kametros da beira da floresta, ela se deparou com um arbusto, e por detrás dele parecia estar vindo uma estranha melodia. Ela afastou os ramos.
“Lalalaaa laaa – lilili- skrouitch skrouitch skrouitch! Lalalaaa laaa – lilili - - skrouitch skrouitch CHPROUIK!”
Um espetáculo inesperado estava acontecendo diante dos seus olhos. Uma dezena de pequenas criaturas, parecidas com aquela que ela tinha acabado conhecer, estavam de mãos dadas formando uma alegre roda. Elas estavam cantando em coro uma cantiga infantil contagiante e saltitando alegremente.
Libet arregalou os olhos. Ela nunca tinha visto nada parecido. Comovida com aquela bizarrice, ela deixou escapar um risinho nervoso.
"Incrível... Elas são tão adoráveis!”.
Quando ela ia pegar o seu caderno de desenho, as criaturas interromperam imediatamente a coreografia e se viraram em sua direção, simultaneamente.
“Skribidi bidi skreunch skreunch!”, gritou uma delas dirigindo-se às outras. Em seguida, todas elas desapareceram novamente atrás das folhagens.
"Oh! Não... Esperem! Não quero lhes fazer mal!”
Libet não podia deixar escapar aquele novo objeto de estudo. Ela não sabia se teria a oportunidade de cruzar com um Malterego novamente. Ela tinha que ir atrás dele, a qualquer custo.
Ele seguiu-os e foi parar em uma pequena clareira muito iluminada. A vegetação densa e os amontoados de folhas que cobriam o solo a obrigavam a ir devagar. Após alguns minutos no meio do mato, tomando cuidado para não tropeçar em algumas pilhas de ossos que pareciam restos de Chaferes jogados no chão, Libet levantou a cabeça. Ela se deu conta de que a paisagem bucólica tinha se transformado em um ambiente sombrio. A jovem demorou alguns bons segundos para se acostumar com a escuridão do local.
A Eniripsa tinha que encarar os fatos: ela tinha perdido de vista o objeto de sua descoberta. Bem no meio do local onde ela se encontrava, havia um imponente olmo. Ela deu a volta na árvore, inspecionou cada um dos seus galhos e as cavidades que foram se formando com o tempo no tronco. Depois, ela deu um giro em torno de si. Cáspita! Nenhum sinal dos Malteregos. Quando, de repente, um ruído chamou a sua atenção.

Libet apurou os ouvidos e apertou os olhos. Na sua frente, perto de um pequeno bosque, alguns ramos finos estavam balançando sendo que não estava ventando. Ela ia se aproximando com passos de milobo, quando uma silhueta, mais robusta do que as criaturas anteriores, surgiu sorrateiramente.
“Skribidibi prouitch!
- Eu... Eu não entendo o que você diz. Você fala dozeano?
- Skibidibidipapalopo!
- Mim não entender você... Mim... Mim querer conhecer você. Você Malterego?“
O sorriso predador da criatura chamou a atenção dela. Aquele Malterego parecia menos afável do que os colegas dela tinham descrito, mas ela preferiu pensar que era por causa do medo. Um mecanismo de defesa, sem dúvida. Definitivamente, o pequeno ser devia achar que estava correndo perigo diante de Libet. A Eniripsa abaixou-se para ficar da altura da criatura e lhe estendeu lentamente a mão. Mas não adiantou, o Malterego estava tão desconfiado quanto os seus semelhantes. Ele saiu correndo, escalou o tronco do olmo e desapareceu nas alturas.
A Eniripsa levantou o queixo. Em meio aos ramos densamente folhosos, um par de olhos luminosos olhou fixamente para ela. Depois outro... E mais um! No fim, cerca de uma dezena de criaturas tinham se refugiado no topo do olmo, e não tiravam os olhos de Libet. Naquele momento, uma nuvem escureceu o céu e as pupilas fluorescentes ficaram parecendo luzes de natal totalmente mágicas.

“Uau... Isso é magnífico!“
Libet parecia uma criança. Seus olhos brilhavam tanto quanto o das criaturas ao seu redor. Ela só pensava em uma coisa: juntar-se a elas para conhecê-las melhor. Penetrar no mundo delas para depois retornar ao seu com novos conhecimentos para compartilhar. Mas aquele desejo de transmissão que a fazia levantar da cama todos os dias não seria saciado naquele dia. Seu medo visceral de altura a impedia categoricamente. Sua aventura se terminaria ali.
Como último recurso, Libet tentou chamar a atenção dos pequenos seres por todos os meios, ora oferecendo-lhes frutos secos ora tentando tranquilizá-los. Mas nada disso funcionou.
“Estranho... Eu tinha entendido que eles sabiam se comunicar com os dozeanos...” pensou a jovem dozeana.
Ela estava se preparando para fazer o caminho de volta, a contragosto, quando um refrão familiar chamou a sua atenção.
“Lalalaaa laaa – lilili- skrouitch skrouitch skrouitch! Lalalaaa laaa – lilili - - skrouitch skrouitch POUIC!”
As vozes vinham de trás de uma mata a alguns kametros ao norte. Libet passou com dificuldade através de um denso matagal, e acabou arranhando os braços e as pernas em uma barreira de espinhos. A adrenalina de uma possível nova descoberta anestesiou completamente sua dor. Depois de ter se desvencilhado dos espinhos, ela chegou em um lugar mais sombrio, no centro do qual havia um grande túmulo feito de rochas, terra e raízes.

Uma pequena escada de pedras levava a uma igreja que estava em estado lastimável. Os raios de sol dourados daquele fim de tarde de martalo refletiam no edifício que, apesar de estar caindo aos pedaços, dava a impressão de um lugar aconchegante e quase acolhedor. O lugar tinha algo de cativante.
Um rangido tirou Libet do seu estado de torpor. A porta de madeira da igreja, decorada com um brasão com a imagem do dragão Terrakurial se abriu lentamente, tornando visíveis um bando de pequenas criaturas redondas dotadas de espinhos que cantarolavam a cantiga que ela tinha ouvido mais cedo. Elas avançavam de modo quase militar, uma atrás da outra.
“Lalalaaa laaa – lilili- skrouitch skrouitch skrouitch! Lalalaaa laaa – lilili - - skrouitch skrouitch POUIC!”
Naquele momento, Libet teve tempo de imortalizá-las em seu caderno de desenho.
“Quando Matiou vir isso...”, sussurrou com um sorriso satisfeito nos lábios.
Seu amigo e parceiro era tão fascinado quanto ela pelos mistérios da flora dozeana. Ela não via a hora de contar para ele sobre o encontro com os Malteregos, sua imersão no universo deles, a comunicação, pois ela estava convencida de que conseguiria ultrapassar as barreiras linguísticas. Afinal, ela não iria embora enquanto não conseguisse fazê-lo!
Quando Libet viu as criaturas postadas diante da porta da igreja, unidas por seus espinhos formando uma guarda de honra, ela queria dar pulos de alegria. Ela subiu, lentamente, os degraus do túmulo e caminhou até a entrada do edifício.

“Eles estão me recebendo... sussurrou, emocionada, a jovem Eniripsa. Isso é tão comovente...”
À medida que ela se aproximava da porta, ela tentava chamar a atenção das criaturas sorrindo para elas. O fato de elas não reagirem não preocupou Libet, pois ela achava que pudesse ser um certo pudor, ou quem sabe, timidez. Ela mal passou pela porta e...
BAM!
A porta se fechou atrás dela. Depois, tudo aconteceu muito rápido. Libet sentiu umas mãozinhas segurando o seu rosto para vendar os seus olhos. Em seguida, a levantaram e a carregaram por vários kametros. A dozeana se debatia tentando se libertar, mal algo impedia os seus movimentos.
Um vento fresco e úmido a paralisou. Ou será que foi o medo? Para terminar, Libet foi empurrada do alto da escada com tamanha violência que ela caiu de cabeça em uma pedra úmida coberta de musgo.
O cheiro de mofo misturado com cinzas lhe deu náuseas. De onde estava, ela podia ouvir o canto abafado da pequena procissão que a tinha levado até ali.
“Lalalaaa laaa – lilili- skrouitch skrouitch skrouitch! Lalalaaa laaa – lilili - - skrouitch skrouitch pouic!”
Libet sentiu o pavor dominá-la. Ela sentiu um nó na garganta quando um canto cerimonial fúnebre invadiu o local.
Laaa-laaa-laaa... Liii-liii-liii... Srkouitch. Srkouitch.
POUIC!

De repente, alguém tirou a venda e liberou as mãos dela. Uma silhueta familiar estava diante dela. Aquela da criatura que ela quase esmagou quando estava indo embora da Floresta Maléfica... Justamente aquela que seu amigo, Matiou, lhe mostrou quando a alertou sobre as diferentes criaturas que viviam na Floresta Maléfica. De repente, tudo ficou claro. Com as mãos trêmulas, ela pegou seus óculos, esbarrou na lente rachada arranhando os dedos, e os ajeitou como pode no nariz.
“Malpiks... Eles... Não são Malteregos... Eles... SÃO MALPIKS!!“
Libet pecou por vaidade. Sua precipitação, impaciência e sede de descoberta a tinham levado a cometer um erro irreparável.
“Ó Mestra, aceite este presente como prova irrefutável de nosso amor incondicional por Você.”
O grito penetrante da jovem dozeana mal encobria as vozes cantando e a gargalhada do exército de Malpiks presentes diante dela, ao redor das cinco fogueiras crepitantes. De repente, tomada por espasmos incontroláveis, ela pegou o caderno que estava no bolso interno do seu casaco e começou a rabiscar freneticamente os contornos de uma silhueta animal e feminina, ao mesmo tempo.
Uma mensagem para a posteridade. Uma advertência para os futuros curiosos que, como Libet, poderiam acabar virando oferenda...